sábado, 20 de setembro de 2008

Barcarola

Ando perdido demais
Vivo escondido de mim
Vago nas beiras do cais
À deriva, infeliz
Barco sem paz

Sigo, a procura sem fim
Parto, mal chego, outra vez
Solto-me ao mar, sempre assim
Sem retorno, sem nós
Nau carmesim

Parto sem remos, a sós
Guia-me mau capitão
Voa sem rumo, albatroz
Bardo louco sem voz
Meu coração

Ah, se eu pudesse encontrar
Uma beira de rio
Pra poder aportar
O meu barco vadio
Ah, se eu pudesse baixar
Minhas velas livrar
Desse vento ruim

Mas ando perdido demais
Parto, mal chego, outra vez
Vago nas beiras do cais
Sem retorno sem nós
Nau carmesim
Barco sem paz
Meu coração.

Canto

Fazer uma canção
É desfolhar o coração
Vira do avesso a emoção
E traduzir em notas lágrimas de dor

Cantar é não morrer
Chorar sem perceber
Toda canção é uma declaração de amor

Minha canão é meu ar
Morro se não voar
Meu canto, minha casa
Minha voz, minhas asas
Pra meu coraçãoem brasas acalmar

Minha canção é meu mar
Morro sem navegar
Meu canto, meus rios
Minha voz, meus navios
Pra meu coração vadio, pavio
Aportar além-mar

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Sobre o tempo e as pessoas

O tempo imagina e molda pessoas.
Artista volúvel, inconformado,
Faz oscilar entre certo e errado:
Conforme a hora são más ou são boas.

Na obra em processo, o autor distraído,
Dá seus retoques, às vezes cruéis;
Com o relógio, vai ele esculpindo
Os seus ponteiros são como cinzéis.

Assim, é que é feita a sua vontade
Da qual não se escapa em qualquer idade
Um deus que adoramos crentes, fiéis.

Vida e morte produz num minuto
Sem revelar-se, na sombra, astuto,
Nos manipula com os seus cordéis.

Retrato

A língua me fotografa.
Revela com sua tinta
Minha alma feita em palavra
Aquilo que sinto pinta.

Eu sou o que vira frase,
O tanto que sai na língua,
Escapa e ao mundo dá-se,
O resto aqui dentro míngua.

Desenho em palavra escrita
Um mapa, torto caminho,
Para que (Deus não permita!)
Não morra eu aqui sozinho.

O verso me denuncia,
A todos diz ao que vim,
Só sobrevive em poesia
O que escapa de mim.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

De como o amor, contrário à morte, mata

"Se se morre de amor..."

Amor é feito doença
Que afeta o coração:
Só mata depois que passa
De saudade e solidão.

Doença estranha o amor:
A gente não sofre na hora.
O pior sintoma, a dor,
Só surge depois da cura.

Amor contamina a gente
No ar, na rua, num gesto.
Quem pega fica doente
Escravo sob cabresto.

Aquele que o mal empreste
Nem sempre é do mal tomado;
Não vê o que faz a peste
Ao pobre ali do seu lado.

Amor é faca afiada
Que a alma bem fundo corta,
De que a pessoa amada
Só se livra quando morta.

Amor é fogo e é frio
É vida e também é morte
Depende se choro ou rio
De ser amado ter sorte.