terça-feira, 7 de outubro de 2008

Língua

A língua me fotografa.
Revela com sua tinta
Minha alma feita em palavra.
Aquilo que sinto pinta.

Eu sou o que vira frase.
O tanto que sai na língua
Escapa e ao mundo dá-se.
O resto aqui dentro míngua.

Desenho em palavra escrita
Um mapa, torto caminho
Para que (Deus não permita!)
Não morra eu aqui sozinho.

O verso me denuncia,
A todos diz ao que vim;
Só sobrevive em poesia
O que escapa de mim.

sábado, 20 de setembro de 2008

Barcarola

Ando perdido demais
Vivo escondido de mim
Vago nas beiras do cais
À deriva, infeliz
Barco sem paz

Sigo, a procura sem fim
Parto, mal chego, outra vez
Solto-me ao mar, sempre assim
Sem retorno, sem nós
Nau carmesim

Parto sem remos, a sós
Guia-me mau capitão
Voa sem rumo, albatroz
Bardo louco sem voz
Meu coração

Ah, se eu pudesse encontrar
Uma beira de rio
Pra poder aportar
O meu barco vadio
Ah, se eu pudesse baixar
Minhas velas livrar
Desse vento ruim

Mas ando perdido demais
Parto, mal chego, outra vez
Vago nas beiras do cais
Sem retorno sem nós
Nau carmesim
Barco sem paz
Meu coração.

Canto

Fazer uma canção
É desfolhar o coração
Vira do avesso a emoção
E traduzir em notas lágrimas de dor

Cantar é não morrer
Chorar sem perceber
Toda canção é uma declaração de amor

Minha canão é meu ar
Morro se não voar
Meu canto, minha casa
Minha voz, minhas asas
Pra meu coraçãoem brasas acalmar

Minha canção é meu mar
Morro sem navegar
Meu canto, meus rios
Minha voz, meus navios
Pra meu coração vadio, pavio
Aportar além-mar

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Sobre o tempo e as pessoas

O tempo imagina e molda pessoas.
Artista volúvel, inconformado,
Faz oscilar entre certo e errado:
Conforme a hora são más ou são boas.

Na obra em processo, o autor distraído,
Dá seus retoques, às vezes cruéis;
Com o relógio, vai ele esculpindo
Os seus ponteiros são como cinzéis.

Assim, é que é feita a sua vontade
Da qual não se escapa em qualquer idade
Um deus que adoramos crentes, fiéis.

Vida e morte produz num minuto
Sem revelar-se, na sombra, astuto,
Nos manipula com os seus cordéis.

Retrato

A língua me fotografa.
Revela com sua tinta
Minha alma feita em palavra
Aquilo que sinto pinta.

Eu sou o que vira frase,
O tanto que sai na língua,
Escapa e ao mundo dá-se,
O resto aqui dentro míngua.

Desenho em palavra escrita
Um mapa, torto caminho,
Para que (Deus não permita!)
Não morra eu aqui sozinho.

O verso me denuncia,
A todos diz ao que vim,
Só sobrevive em poesia
O que escapa de mim.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

De como o amor, contrário à morte, mata

"Se se morre de amor..."

Amor é feito doença
Que afeta o coração:
Só mata depois que passa
De saudade e solidão.

Doença estranha o amor:
A gente não sofre na hora.
O pior sintoma, a dor,
Só surge depois da cura.

Amor contamina a gente
No ar, na rua, num gesto.
Quem pega fica doente
Escravo sob cabresto.

Aquele que o mal empreste
Nem sempre é do mal tomado;
Não vê o que faz a peste
Ao pobre ali do seu lado.

Amor é faca afiada
Que a alma bem fundo corta,
De que a pessoa amada
Só se livra quando morta.

Amor é fogo e é frio
É vida e também é morte
Depende se choro ou rio
De ser amado ter sorte.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Passatempo

O tempo, de todos é rei e senhor,
Pois manda e desmanda, costura e destrói;
De um faz refém; de um outro, herói.
É lépido ou lento pro gozo ou pra dor.

Manipula os fios do nosso destino
E tece sua teia sem que se o veja;
Se dorme de velho na mais velha igreja,
Não pára um segundo na festa: um menino.

Se passa envelhece, amortece se pára.
Ninguém sabe ao certo como é sua cara,
A quem obedece esse deus que é o tempo?

O que o acelera? pergunta o doente.
Mas nada o segura, sabe toda a gente;
Só que é viver o melhor passatempo.

sábado, 31 de maio de 2008

Profissão de fé

Escrever é como se masturbar;
Imaginar aquilo que não se tem;
Voar bem alto, ou vencer o mar
Só. Com palavras alcançar o bem.

É ver bem longe aqui do meu lugar,
Estar acompanhado mesmo só;
Saber da cura e poder buscar,
Morrer e conseguir voltar do pó.

Estar aqui e ter a eternidade;
Viver, porém sem planejar maldade,
Pisar a terra e alcançar os céus.

Somente com ler escrever parece.
Quem faz das duas uma como em prece,
Sabe o que é o infinito e Deus.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

A ver navios (responsorial)

(ele)
Tu não me olhas nos olhos
Eu nem sequer me aproximo
Não tiro os olhos de ti
Mas finjo que não te sigo

Passas e eu me desespero
Com esse teu jeito arredio
O meu amor é sincero
No teu eu já não confio.

(ela)
Tu me engoles com os olhos
Eu nem nego nem confirmo
Minto que não percebi
E faço que nem te ligo

Meus olhos dizem o que quero
Mas, se me olhas, desvio
Sinceramente te espero
Me deixas a ver navios.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Antífona de amor

Desde quando a encontrei
Minha alma se acendeu
Levo uma vida de rei
Sem medos como um ateu

Nada mais eu penso ou faço
Só desejo o seu abraço
O meu coração no seu

Desde assim que nós nos vimos
Firmamos a parceria
Floriram nossos caminhos
O ritmo e a melodia

Nada mais a Deus eu rogo
A não ser que seja logo
Que eu esteja no seu dia

Assim que meus olhos pus
Nos seus, feito um rei mago
Senti-me diante da luz
Que apaga as dores que eu trago

Pois nada mais eu desejo
Além de morrer num beijo
E num turbilhão de afago

E sempre que não a vejo
A vida se me escurece
Me perco em sonho e desejo
Seu nome repito em prece

Você é só o que suplico
Fortuna que me faz rico
Desse amor que me entorpece

Sempre que estou ao seu lado
O mundo é como uma tela
O peito sofre calado
A vida fica mais bela

Com você me sinto forte
Nem tenho tempo pra morte
Nada me fará perdê-la

segunda-feira, 26 de maio de 2008

O escrever

O escrever
Escrever é como se masturbar;
Imaginar aquilo que não se tem;
Voar bem alto, ou vencer o mar
Só com palavras alcançar o bem.

É ver bem longe aqui do meu lugar,
Estar acompanhado mesmo só;
Saber da cura e poder buscar,
Morrer e conseguir voltar do pó.

Estar aqui e ter a eternidade;
Viver, porém sem planejar maldade,
Pisar a terra e alcançar os céus.

Somente com ler escrever parece.
Quem faz das duas uma como em prece,
Sabe o que é o infinito e Deus.

sábado, 24 de maio de 2008

Sorte ou azar?

(Zé Arnaldo Guima)

Será que sorte e azar são, pra quem vive,
As faces de uma única moeda;
Duas mãos para quem vai nesta alameda
Ao céu ou ao inferno num declive?

Será que são mesmo fruto do acaso?
Ou cultivados às escondidas todo dia?
Será que são flores do mesmo vaso
Em que se plantam dor e alegria?

Onde estará sorte, onde se esconde?
Talvez junto com o azar esteja onde
Escondem-se a felicidade e a dor.

Pois acho mesmo que tem muita sorte
Aquele que se encontra com a morte
Depois de encontrar seu grande amor.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Majestade do samba

Ela é a rainha em Oswaldo Cruz e Madureira;
É lá que mora o samba - arte pura e verdadeira!
Bela a exibir-se na avenida sem vaidade,
Ei-la que é do sama a senhora majestade.
Dela o manto azul que nos protege e nos guia,
Vela por nossa paz (deusa do amor e da alegria);
Vê-la é como estar aos pés da Santa Aparecida,
Portela, tu és a razão da minha vida.

Berço dos mais lindos sambas que o mundo cantou,
Tens um celeiro de bambas para o teu louvor.
Dona da mais linda história de mil carnavais,
És recheada das glórias dos teus ancestrais.

Se não foi lá que nasceu,
Foi onde o samba cresceu
E se tornou de um país
Sua genuína voz.
Minha Portela adorada,
Meu peito é tua morada,
Que tu foste coroada
Rainha por nós.

Segredo

Oh! Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura!
És a razão final de toda vida!
Não há maior riqueza escondida,
Nem da maior doença a própria cura.

Quer-te o homem mais que à existência;
Buscam saber os sábios e alquimistas
Como a mulher se esconde às nossas vistas,
Engana credos, bruxos e ciência.

Preciso amar é para entendê-la.
Dissimulado, o veio feminino
Se mostra só para o audaz menino;

Naquela hora em que se vê estrela
Quando se veste enfim a vil mortalha:
Perde-se a vida, ganha-se a batalha!