sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Capítulo 5 - As entrevistas



Bateu à porta do apartamento 1304, logo ao lado. A porta custou a abrir. Atanásio já ia desistindo quando finalmente alguém atendeu. Era um homem de meia idade, com hobie jogado sobre o corpo de qualquer maneira. Na certa estivera dormindo.
- Quem é o senhor? O que deseja? É da polícia? Eu já disse tudo o que sabia. Quando é que vocês vão me deixar em paz?
- Calma, senhor. Não sou da polícia, sou jornalista...
- Pois passe bem, disse impaciente e contrariado o homem do apartamento 1304 fechando a porta com violência.
Com esse Atanásio não conseguiria muita coisa. Daria um jeito de ler o relatório da polícia sobre o depoimento dele antes de voltar a procurá-lo. Talvez nem fosse necessário.
Foi ao apartamento 1301, há uns quinze metros da porta de Virgínia e quem o atendeu foi uma senhora elegantemente vestida com um cachorrinho nos braços.
- O senhor é da polícia?
- Não, senhora. Sou jornalista.
- Do rádio ou da TV?
- De jornal, senhora. De O Diário Carioca.
- Qual?
O Diário Carioca não tinha muitos leitores na zona sul. Só o liam os empregados - diaristas, frentistas, motoristas, babás, faxineiros, seguranças – dos bacanas. Os que soubessem ler, obviamente. Os analfabetos contentavam-se com a primeira capa, em que apareciam fotos dos gols do campeonato, moças em trajes sumários e eram exibidos flagrantes de nossa guerrilha urbana diária: os cadáveres ensangüentados encontrados em localidades que os leitores conheciam bem.
Foi por isso difícil convencer a senhora do 1301 a lhe conceder uma entrevista.
- Não sei da vida de ninguém. Vivo reclusa em meu apartamento, só com Timóteo, este meu último parente vivo.
Ela se referia ao cachorrinho, que não largava um minuto.
- O senhor quer entrar?
Lá dentro, Atanásio impressionou-se com a quantidade de objetos na sala. A dona tinha sofás, cadeiras, mesa, lustres, poltronas, quadros, mesinhas, cômoda, tapetes, cortinas. Jarros, cinzeiros, candelabros, vasos de porcelana, flores artificiais, caixinhas de não-sei-o-quê. O apartamento mais parecia um antiquário.
Chamou a atenção de Atanásio uma vitrola imponente, aberta. Ao lado, uma pilha de discos.
- Só música clássica. O senhor aprecia?
- Antes que Atanásio pudesse responder, a senhora cortou seus pensamentos.
- Fui cantora lírica na juventude. Cantei no Municipal, viajei, estudei na Europa.
- Que interessante. Atanásio compreendia agora o porte altivo e um tanto afetado daquela senhora: era artista!
- Ainda canta?
- Não! Desde que meu marido morreu, abandonei os palcos.
- Sinto muito.
- Ele era maestro. De fama internacional. Heriberto Giacommini. Conhece?
Atanásio fez uma cara que dispensava resposta.
- Não se constranja. Quase ninguém o conhece ou lembra dele. A música erudita é pouco difundida e apreciada nos trópicos. Aqui só se ouve samba e outras coisas do gênero. Poucos são os admiradores da boa música, do canto lírico.
Ela falava enquanto passeava pela sala acariciando as poltronas com o cachorro, Timóteo, sempre no colo.
- A moça aí da frente, a que morreu, não gostava. A música que vinha de seu apartamento era..., como direi. E procurou no ar a palavra...
- Moderna?
- Ruim! Essa tal de bossa-nova. E rock – e fez uma careta de reprovação. O dia inteiro. Ou melhor, quando estava em casa.
Sabia que ela estava em casa pela música que vinha de lá. Além disso, não foram poucas as vezes em que ela dera festas freqüentada por gente como ela. A cantoria ia até de manhã. Rapazes e moças com violões de baixo do braço entravam e saíam do apartamento dela sem a menor cerimônia. Reclamei com o porteiro e com o síndico. Minhas reclamações estão registradas em ata. Mas nada foi feito.
- A senhora imagina o que pode ter acontecido?
- Alguém a matou, não está claro?
- Mas por que alguém a mataria?
- Por não gostar da música que ela ouvia? Não, se eu disser isso, é capaz de a polícia me incluir entre os suspeitos.

Nenhum comentário: