sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Capítulo 2 - O repórter




Ao avistar ao longe a silhueta mastodôntica do seu fotógrafo, Atanásio Silva dobrou o jornal até que ele coubesse no bolso de trás da calça. Já lera e relera a parte de esportes sem acreditar ainda na derrota de seu time. Irritado com o Botafogo, pensava como o Jairzinho conseguira perder aquele gol, no último minuto, que acabara decretando mais uma derrota naquele turno e logo para o Vasco da Marilena que, com certeza, não deixaria por menos  quando voltasse para casa à noite.
Sempre atrasado, Tonelada ria de escárnio enquanto se aproximava sem pressa de Atanásio.
- Esse teu time, hein...
- Não enche, Tonelada. Vamos logo que tu tá atrasado.
Entraram no carro da reportagem e seguiram para Belford Roxo onde um trem esmagara uma Kombi - e todos os seus ocupantes - que tentara atravessar a linha férrea com o sinal fechado. Era preciso correr para encontrar a cena da tragédia ainda “viva”: muito sangue, pedaços de gente pelo chão, ferro retorcido, desespero e choro como trilha sonora.
A ordem era conseguir as melhores fotos que seriam legendadas por Atanásio, um mestre nesse negócio.
Atanásio Silva, 52 anos, repórter desde os vinte, já estava cansado da editoria policial. Lidar com cadáveres, tragédias, crimes os mais horrendos; entrevistar facínoras, assassinos cruéis, maníacos de todo tipo, delegados, advogados e policiais igualmente paranóicos, parentes de vítimas desesperados e atônitos, tudo era rotina para ele que já não se emocionava com mais nada. O lixo da sociedade, a escória – menores abandonados, desempregados,
loucos, fanáticos religiosos, drogados, alcoólatras, prostitutas, veados, cafetões, travestis,  e os locais onde se escondiam ou eram escondidos – penitenciárias, favelas, guetos, casas de cômodos, prostíbulos, inferninhos, cortiços, manicômios, hospitais, bocas de fumo, delegacias, centros de detenção de menores infratores – faziam parte do seu dia a dia.
Em certa etapa da vida, chegou a se aventurar em outro tipo de jornalismo. Cobrira política em O Dia, mas a mudança da capital o trouxera de volta ao seu verdadeiro ambiente. Andara pelos esportes, no Correio da Manhã, mas sua paixão pelo Botafogo negava-lhe a imparcialidade exigida para comentar com isenção os jogos que envolviam seu time. Chegara a ter uma coluna de diversidades em A Notícia, mas acabara de volta às páginas policiais, onde era realmente imbatível, após a falência daquele matutino. Sua grande habilidade e destreza nas investigações, sua perspicácia, seu faro, como diziam os amigos, faziam com que muitas vezes desvendasse os crimes antes mesmo das autoridades. Não foram raras as ocasiões em que a própria polícia recorria a ele para obter pistas que ela, a polícia, deveria por obrigação e responsabilidade conseguir. Já fora seguido por detetives desejosos de descobrir o que ele sabia e como conseguia saber antes de todo mundo.
Sua fama, obviamente, não lhe trouxera só dividendos. Alguns desafetos – policiais, bandidos, promotores, defensores, advogados, sobretudo – torciam por um erro seu, pressionavam Abujamra, pediam a cabeça dele em troca de favores políticos e/ou financeiros. Porém, além de reconhecer-lhe o talento, Abujamra sabia que o jornal era ele – o Atanásio. Ele que sabia como ninguém espremer vítimas, testemunhas, advogados e até criminosos, em suas entrevistas, para obter as informações que elucidariam crimes, desvendariam mistérios, virariam grandes reportagens ou simplesmente inspirariam manchetes que venderiam jornais como água no deserto.
E Atanásio seguia com seu trabalho, passando por cima de cadáveres e sobreviventes atrás da notícia, só da notícia.

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