sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Capítulo 4 - A cena do crime




Pouco restava para ser visto na frente do prédio 351 da Avenida Vieira Souto, local onde caíra o corpo de Virgínia Marcondes Atalaia, 23 anos, que fora jogada por alguém da varanda de seu apartamento, no 13º andar.
A calçada já fora lavada, o corpo estava no IML, as janelas todas fechadas. Só o vidro quebrado da varanda do apartamento 1303 quebrava a harmonia do elegante edifício e denunciava que algo de estranho acontecera ali. Além da viatura da polícia, estacionada na calçada. Cumprimentou um tira que estava encostado no carro, fazendo anotações e foi para a portaria.
Atanásio chamou o porteiro e confundido com um dos policiais que entravam e saíam desde cedo, entrou sem ser incomodado. Tonelada já começara a fotografar tudo o que via pela frente.
Subiram pelo elevador de serviço onde quase o fotógrafo não conseguiu entrar. Lá em cima, encontraram dois PMs que guardavam o apartamento e, lá dentro, puderam ver um perito trabalhando.
- Onde há sujeira, há barata, disse Atanásio.
Barata, o perito, de dentro do apartamento, reconheceu a voz e o dito de Atanásio e abriu um sorriso.
- E outros tipos de insetos que também vivem na sujeira, devolveu o perito.
- Grande Barata!, exclamou Atanásio, estendendo a mão para cumprimentá-lo.
- Atanásio, o papa da notícia! Devolveu Barata, para em seguida cutucar:
- E o Botafogo, hein.
A cara de Atanásio se fechou. Retirou a mão que era apertada pelo Barata com viva admiração e passou ao trabalho.
- O que temos?
- Uma briga: coisas jogadas, quebradas, pedaço da camiseta que ela vestia, sangue no parapeito e no chão da varanda: a moça lutou pela vida, não se entregou, não. Na cozinha ainda há restos de um lanche, feitos certamente por duas pessoas. Dois copos, dois pratos, guardanapos, três garrafas de cerveja. Tudo foi recolhido à pia e continua do jeito que deixaram.
- Quem esteve com ela pode ser o assassino.
- Talvez um namorado...
- Ou uma amiga?
- O assassino é homem. E forte, ou não conseguiria jogá-la da varanda.
- Vamos já saber com os porteiros quem esteve aqui ontem.
Atanásio ficou uns minutos olhando tudo detidamente. O próprio perito tentava seguir com os olhos o que supostamente ele via. Notou que algo lhe chamara a atenção. Tentou adivinhar o que seria: quem sabe alguma marca de sangue que lhe escapara, um fio de cabelo que ele não vira, uma marca indelével no sofá...
- O que foi, perdi alguma coisa?
Sem abrir a boca, o repórter caminhou lentamente para o sofá. Parou a alguns passos da varanda, abaixou-se e voltou com algo na mão direita.
- O que é? Perguntou o Barata.
- Consegue descobrir de quem é isto? E mostrou-lhe um canudo usado para cheirar cocaína.
- Vai ver era da vítima. A casa é dela...
- Descubra. E continuou sua inspeção.
- Você é meu amigo, mas eu trabalho para a polícia, não pra você. Não se esqueça, disso, meu velho. Além do mais, tô cheio de serviço. Tá assim de cadáver pra eu examinar. Não dou conta. Essa gente não pára mais de se matar.
Etevaldo percebeu que precisava amaciar o amigo.
- Que tal levar seu filho ao Maraca no domingo? Se quiser, arranjo ingressos na tribuna pro Fla-Flu. É praticamente uma decisão.
- É, disse o perito, os amigos sempre têm prioridade. Eu lhe dou notícia. Até sexta.
E começou a recolher seu material para sair.
Atanásio agradeceu com um sorriso e voltou à inspeção.
- Não esquece os ingressos, disse Barata da porta.
- Hoje mesmo vejo isso. E  ficou só no apartamento.
Caminhou pela cozinha, abriu a geladeira, cheirou copos e talheres, revirou a louça na pia com cuidado. Até as roupas penduradas no varal foram inspecionadas por ele.
Voltou à sala. Percorreu com os olhos minuciosamente todo o espaço. Era um apartamento amplo e decorado elegantemente, mas sem extravagâncias. A localização era privilegiada. Ver esse mar todos os dias deveria ser uma paz. Não entendia como uma moça como Virgínia, linda, jovem, rica, num apartamento desses, conseguira arranjar confusão a ponto de ser assassinada. O uso de cocaína não se justificava. De que ela precisava? O que lhe faltava? O que a cocaína substituiria?
A não ser que não fosse ela quem usasse. Isso ele só saberia após a autópsia. Era preciso saber mais sobre ela. Os vizinhos e os porteiros na certa teriam coisas interessantes para lhe dizer.
Saiu do apartamento para começar as entrevistas com quem estivesse disposto a falar e, sem querer, bateu a porta. Tentou reabri-la por fora inutilmente.
- Só com a chave, meu chefe, disse um dos policiais de plantão. Quer voltar lá dentro?
Atanásio disse que não. Que já acabara o que viera fazer. Mas aquilo o iluminou. Quer dizer que a porta não abre por fora a não ser com a chave? Só poderia então abri-la quem a possuísse. E para isso, seria preciso ser bastante íntimo. Ou já estar lá dentro para matá-la.
A suspeita sobre um possível namorado ou amigo aumentava cada vez mais, porém ele não gostava muito de deduções fáceis, óbvias. Em geral era nessas respostas que a polícia se fixava para elucidar os casos. Por isso, nem sempre acertava e vários inocentes ou bode expiatórios cumpriam penas por aí por conta da pressa da imprensa e das autoridades. 

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