Pouco restava para ser visto
na frente do prédio 351 da Avenida Vieira Souto, local onde caíra o corpo de
Virgínia Marcondes Atalaia, 23 anos, que fora jogada por alguém da varanda de
seu apartamento, no 13º andar.
A calçada já fora lavada, o
corpo estava no IML, as janelas todas fechadas. Só o vidro quebrado da varanda
do apartamento 1303 quebrava a harmonia do elegante edifício e denunciava que
algo de estranho acontecera ali. Além da viatura da polícia, estacionada na
calçada. Cumprimentou um tira que estava encostado no carro, fazendo anotações
e foi para a portaria.
Atanásio chamou o porteiro e confundido
com um dos policiais que entravam e saíam desde cedo, entrou sem ser
incomodado. Tonelada já começara a fotografar tudo o que via pela frente.
Subiram pelo elevador de
serviço onde quase o fotógrafo não conseguiu entrar. Lá em cima, encontraram
dois PMs que guardavam o apartamento e, lá dentro, puderam ver um perito
trabalhando.
- Onde há sujeira, há barata,
disse Atanásio.
Barata, o perito, de dentro
do apartamento, reconheceu a voz e o dito de Atanásio e abriu um sorriso.
- E outros tipos de insetos
que também vivem na sujeira, devolveu o perito.
- Grande Barata!, exclamou Atanásio,
estendendo a mão para cumprimentá-lo.
- Atanásio, o papa da
notícia! Devolveu Barata, para em seguida cutucar:
- E o Botafogo, hein.
A cara de Atanásio se fechou.
Retirou a mão que era apertada pelo Barata com viva admiração e passou ao
trabalho.
- O que temos?
- Uma briga: coisas jogadas,
quebradas, pedaço da camiseta que ela vestia, sangue no parapeito e no chão da
varanda: a moça lutou pela vida, não se entregou, não. Na cozinha ainda há restos
de um lanche, feitos certamente por duas pessoas. Dois copos, dois pratos,
guardanapos, três garrafas de cerveja. Tudo foi recolhido à pia e continua do
jeito que deixaram.
- Quem esteve com ela pode
ser o assassino.
- Talvez um namorado...
- Ou uma amiga?
- O assassino é homem. E
forte, ou não conseguiria jogá-la da varanda.
- Vamos já saber com os
porteiros quem esteve aqui ontem.
Atanásio ficou uns minutos
olhando tudo detidamente. O próprio perito tentava seguir com os olhos o que
supostamente ele via. Notou que algo lhe chamara a atenção. Tentou adivinhar o
que seria: quem sabe alguma marca de sangue que lhe escapara, um fio de cabelo
que ele não vira, uma marca indelével no sofá...
- O que foi, perdi alguma
coisa?
Sem abrir a boca, o repórter caminhou
lentamente para o sofá. Parou a alguns passos da varanda, abaixou-se e voltou
com algo na mão direita.
- O que é? Perguntou o
Barata.
- Consegue descobrir de quem
é isto? E mostrou-lhe um canudo usado para cheirar cocaína.
- Vai ver era da vítima. A
casa é dela...
- Descubra. E continuou sua
inspeção.
- Você é meu amigo, mas eu
trabalho para a polícia, não pra você. Não se esqueça, disso, meu velho. Além
do mais, tô cheio de serviço. Tá assim de cadáver pra eu examinar. Não dou
conta. Essa gente não pára mais de se matar.
Etevaldo percebeu que
precisava amaciar o amigo.
- Que tal levar seu filho ao
Maraca no domingo? Se quiser, arranjo ingressos na tribuna pro Fla-Flu. É
praticamente uma decisão.
- É, disse o perito, os
amigos sempre têm prioridade. Eu lhe dou notícia. Até sexta.
E começou a recolher seu
material para sair.
Atanásio agradeceu com um
sorriso e voltou à inspeção.
- Não esquece os ingressos,
disse Barata da porta.
- Hoje mesmo vejo isso.
E ficou só no apartamento.
Caminhou pela cozinha, abriu
a geladeira, cheirou copos e talheres, revirou a louça na pia com cuidado. Até
as roupas penduradas no varal foram inspecionadas por ele.
Voltou à sala. Percorreu com
os olhos minuciosamente todo o espaço. Era um apartamento amplo e decorado
elegantemente, mas sem extravagâncias. A localização era privilegiada. Ver esse
mar todos os dias deveria ser uma paz. Não entendia como uma moça como
Virgínia, linda, jovem, rica, num apartamento desses, conseguira arranjar
confusão a ponto de ser assassinada. O uso de cocaína não se justificava. De
que ela precisava? O que lhe faltava? O que a cocaína substituiria?
A não ser que não fosse ela
quem usasse. Isso ele só saberia após a autópsia. Era preciso saber mais sobre
ela. Os vizinhos e os porteiros na certa teriam coisas interessantes para lhe
dizer.
Saiu do apartamento para
começar as entrevistas com quem estivesse disposto a falar e, sem querer, bateu
a porta. Tentou reabri-la por fora inutilmente.
- Só com a chave, meu chefe,
disse um dos policiais de plantão. Quer voltar lá dentro?
Atanásio disse que não. Que
já acabara o que viera fazer. Mas aquilo o iluminou. Quer dizer que a porta não
abre por fora a não ser com a chave? Só poderia então abri-la quem a possuísse.
E para isso, seria preciso ser bastante íntimo. Ou já estar lá dentro para
matá-la.
A suspeita sobre um possível
namorado ou amigo aumentava cada vez mais, porém ele não gostava muito de
deduções fáceis, óbvias. Em geral era nessas respostas que a polícia se fixava
para elucidar os casos. Por isso, nem sempre acertava e vários inocentes ou
bode expiatórios cumpriam penas por aí por conta da pressa da imprensa e das
autoridades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário