O jornal ocupava os quatro
andares do prédio na rua da Relação, no centro do Rio. No andar térreo, nos
fundos, ficava a gráfica. Na frente, a recepção e a seção de prêmios do jornal.
A redação ocupava todo o segundo andar, com mesas tomadas por papéis, máquinas
de escrever e telefones. A editoria ficava no terceiro piso, junto com a
central de apuração e os terminais de telégrafo, os aparelhos de tv, os rádios
ligados em várias estações, e o rádio-amador ligado na freqüência da polícia.
O
último andar abrigava a administração, a diagramação e a direção geral do
jornal, numa sala ampla em que todas as manhãs aconteciam as reuniões de pauta
e, no final do expediente, as reuniões administrativas.
No prédio havia um entre e
sai de pessoas, funcionários, anunciantes, repórteres, visitantes, gente que
queria a todo custo reaver algum exemplar perdido e que, por isso, deixara de
acumular selos que davam prêmios os mais estapafúrdios (ingressos para jogos de
futebol, geladeiras, ventiladores, panelas de pressão, ferros elétricos,
televisores, rádios de pilha, faqueiros, bolas de futebol, guarda-roupas, bonecas,
jogos de cama e mesa, cortes de cabelo, etc) e os ganhadores das diversas
promoções efetuadas pelo jornal.
A garagem abrigava apenas
três carros de reportagem, nas piores condições, além dos carros do editor e
diretor-geral do jornal e de algum convidado ou visitante ilustre.
O jornal fora adquirido em
estado pré-falimentar por Henrique Abujamra, um empresário com aspirações
políticas, que o transformara em apenas dois anos num dos mais lidos da cidade.
Seu público era formado basicamente por trabalhadores e gente dos subúrbios que
o compravam atraídos pelo preço e pelas manchetes escabrosas de seqüestros,
crimes bárbaros, denúncias políticas sem comprovação, fofocas sobre artistas e
a alta sociedade e as fotos impactantes de decapitados, esquartejados, de
horríveis acidentes automobilísticos ou ferroviários, sempre com muito sangue e
vísceras à mostra na primeira página.
Outro expediente que
impulsionara as vendas de O Diário Carioca eram as diversas promoções que o
jornal fazia e que obrigavam os leitores a comprar seus exemplares diariamente,
num processo pioneiro de fidelização de clientes.
Apesar de tudo, as dívidas
cresciam. Parte delas com advogados, contratados para defender o jornal ou seus
editores das acusações sem provas contra políticos ou pela invasão de
privacidade de artistas do rádio, da tv e do cinema e de membros do high society
carioca. Não eram raras, por exemplo, as vezes em que alguém tentava invadir a
redação para tomar satisfações com algum repórter ou com o próprio editor e
dono do jornal. Um figurão da elite, ofendido em sua honra por conta de
notícias maliciosas envolvendo sua senhora e um artista da tv, invadiu o prédio
e, antes que pudesse ser impedido pelos seguranças, atirou em Henrique Abujamra,
que estacionava seu carro na garagem. Por sorte, o “Paladino da Ralé” escapou
sem um arranhão do atentado, que ele soube bem explorar, com matérias
sensacionalistas, nas semanas seguintes.
Outras dívidas advinham de
acordos não cumpridos com patrocinadores e fornecedores dos prêmios que o
jornal distribuía diariamente, sem controle e sem critério, .
Apesar disso, Abujamra
acreditava que se manter nessa linha era o caminho certo e inquestionável para
realizar sua missão. Seu propósito era político: tornar-se “a trombeta dos
pobres”, “o representante do povo”, “a voz dos desassistidos”, “o guardião da
moral e da ética” para que, dali a dois anos, pudesse se candidatar a um cargo
eletivo, quem sabe até no executivo. Dependia seu plano do quanto barulho
conseguisse fazer e do quanto isso lhe renderia dividendos políticos, pois não
eram poucas as ofertas de filiação a partidos que recebia bem como os pedidos
de acordo para que essa ou aquela notícia deixasse de ser publicada ou fosse
ainda mais enfatizada. Havia até os que o procuravam para oferecer denúncias
contra adversários. Tudo era negociado no quarto andar do prédio – apoio ou
ataque a esse ou aquele político – ou em restaurantes discretos do centro da
cidade.
Nesse ambiente é que
trabalhava, desde a fundação, havia vinte anos, Atanásio Silva.
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