Abujamra esperava por Atanásio
ansioso na redação de O Diário Carioca para lhe dar uma missão importantíssima.
Chegara-lhe havia pouco uma informação que poderia render grandes vendagens do
jornal por semanas seguidas, se bem trabalhada. E a pessoa certa para fazer
isso era Atanásio Silva.
Um informante avisara-lhe que
em Ipanema, bairro à beira-mar da classe média emergente, uma moça se jogara ou
fora atirada de seu apartamento, no 13º andar. O melhor: a moça era bem nascida,
filha de figurão da sociedade. Além de tudo, segundo foi dito, era bonita.
Quando Atanásio chegou,
Shirley Temple agarrou-o pelo braço e o conduziu direto à sala do chefe.
- Ele pergunta por você a
cada minuto.
- Posso ir ao banheiro pelo
menos.
- Primeiro o chefe, que ele
tá desesperado atrás de você. Acho que roubaram a Taça Jules Rimet. Ou então,
mataram o Pelé.
Atanásio estava acostumado
àquelas situações. Sempre que o Abujamra farejava alguma notícia que pudesse
dar caldo, chamava-o às pressas para dar tratos à bola. Ele transformava o
crime em notícia e a notícia virava jornal, que era vendido aos milhares no dia
seguinte. E ele era um mestre nisso.
- Ah, finalmente, exclamou Abujamra,
misturando bronca e satisfação. Temos um bilhete premiado – era assim que o
‘Paladino dos pobres” chamava as notícias que segundo ele poderiam vender muito
jornal por muito tempo. E você é que vai retirá-lo.
- Aqui está a matéria do
trem. O Tonelada foi para o laboratório revelar as fotos. Você vai gostar: tem
sangue que não acaba mais.
- Sei, sei, respondeu desinteressado
Abu.
- Sabe da maior: o motorista
da Kombi, causador da tragédia era filho de uma das vítimas que estavam no
trem. É ou não é um peixão? Já localizei o pai do rapaz e ex-marido da mãe. Vou
entrevistá-lo amanhã.
- Não, senhor. Deixe isso pra
lá. O Guedes assume o caso do trem daqui pra frente.
- O Guedes? Ele nem foi ao local do acidente...
- O Guedes? Ele nem foi ao local do acidente...
O Guedes, como que combinado,
entrou na sala.
- Chamou, chefe? Como vai, Atanásio.
O Botafogo, hein...
O velho repórter o
cumprimentou com um leve balançar da cabeça e um meio sorriso de resignação.
- O acidente com o trem é seu
a partir de agora, interrompeu Abujamra com seu jeito trator de ser. Espreme o
que for possível. Estique a história o máximo que puder. Pegue com o Atanásio
as anotações que ele fez. Vá ao laboratório e selecione as fotos da primeira
página. E comece a trabalhar. Ele vai lhe dar mais detalhes já-já. Mas agora,
dê licença, que eu tenho um assunto importante para tratar.
- Ta certo, Abu. Te encontro
na redação, Tatá.
E saiu, recompensado. Assumir
uma reportagem destinada ao Atanásio Silva para Guedes, um moço de 30 anos, equivalia
quase a uma promoção. Além do mais, partiria da apuração feita pelo velho
mestre. Por certo, no mínimo, aprenderia bastante com o caso. E daria o máximo
para mostrar serviço ao chefe. Já era hora de ter seu valor reconhecido.
Na sala, onde haviam ficado, Atanásio
Silva ouvia sem muita atenção a explanação de Henrique Abujamra. Uma garota que
fora atirada de seu apartamento em Ipanema. Em Ipanema! Uma garota, de vinte e
três anos! Que morava sozinha. Só de camiseta e calcinha. Jogada da varanda do
prédio em que morava. Sozinha. Recebia seus amantes em casa. Ela, filha de um milico
já falecido. O homem tinha muito poder na época do Jânio. A mãe é figurinha
fácil das colunas sociais. Já fora eleita uma das certinhas do Lalá. O Ibrahim
vivia dando notas em sua coluna sobre ela. A moça estudava na PUC. Fazia
arquitetura. Ia se formar no final do ano. Linda. E foi jogada da varanda do
prédio, no 13º andar.
As frases de Abu chegavam aos
ouvidos de Atanásio embaralhadas. Não gostava de receber as notícias pela boca
de outros. Gostava de apurar tudo, desde o início. Não queria ser influenciado
pelo juízo já formado pelo editor-chefe. Queria ele mesmo, após conversar com
as pessoas, de ver a cena do crime, de investigar a vida dos envolvidos, chegar
a uma conclusão sobre o que acontecera para responder às perguntas clássicas
que todos se fazem diante de um fato inusitado, principalmente os jornalistas:
quem, quando, onde, por quê e como.
E era o que faria, assim que Abujamra
parasse de falar.
- Dê o endereço que eu vou para
lá agora.
- Aqui está. Leva fotógrafo.
Essa vai pra primeira página de amanhã.
- E o trem?
- Embaixo, junto com o
esporte. Em cima, vem o título: “O assassinato da garota de Ipanema”. E é você
que vai contar essa história.
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